Clima/tempo

domingo, 21 de dezembro de 2014

Revista detalha como Gabrielli vendeu refinaria na Argentina a preço de banana


Há cerca de um mês, o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli reuniu-se com o presidente do PT, Rui Falcão, na sede do partido em Brasília. Foi uma conversa tensa. Gabrielli se disse preocupado com o futuro, pois avaliava que o cerco da Polícia Federal poderia se fechar em torno dele. Em um dado momento do diálogo, queixou-se da indiferença com que tem sido tratado pelo governo e pelo partido. “Não posso ser preso, você sabe!”, reclamou, bastante alterado.
 
O estado de ânimo demonstrado por Gabrielli naquela ocasião se explica agora. Na última semana, o ex-presidente foi arrolado entre os executivos que serão alvo de processo administrativo pela CGU por causa de irregularidades na compra da refinaria de Pasadena. Também foi denunciado por conta de desvios de R$ 31,5 milhões em obras do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que ainda pediu à Justiça o bloqueio de seus bens e a quebra de seus sigilos bancário e fiscal.
 
A Polícia Federal está cada vez mais convicta de que Gabrielli foi um importante protagonista do esquema de corrupção na maior estatal do País. Segundo um integrante da força-tarefa, sua digital aparece em toda parte. “Praticamente todos os grandes negócios realizados no período em que vigorou o esquema criminoso, no Brasil e no exterior, tiveram a chancela do presidente da estatal”, afirma um delegado. Um desses negócios consistiu na venda da refinaria San Lorenzo na Argentina durante a gestão de Gabrielli.
 
Segundo revelam documentos obtidos por ISTOÉ, a negociata causou um prejuízo de ao menos US$ 100 milhões à estatal. A PF abriu inquérito para apurar denúncias de irregularidades no negócio – que incluíam pagamento de propina – em abril deste ano. Acabou descobrindo que Gabrielli adotou conduta semelhante à identificada no caso da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. A diferença é que a compra no Texas foi superfaturada, enquanto a venda da usina de San Lorenzo na Argentina ficou bem abaixo do preço de mercado. Para os investigadores, as suspeitas começaram pelo comprador da refinaria: o empresário Cristóbal López, dono de cassinos e ligadíssimo à presidente Cristina Kirchner. Ainda surpreendeu a PF o tempo recorde das tratativas para a venda, a contratação de intermediários e a existência de avaliações de mercado que foram desprezadas pela gestão de Gabrielli.
 
Uma delas foi feita pela Petrobras Argentina e devidamente encaminhada à matriz no Brasil. Segundo esse estudo, o valor total do ativo de San Lorenzo, incluindo a refinaria, 360 postos de distribuição e os estoques de combustível, seria de US$ 185 milhões. Outra avaliação independente feita pela consultoria Ernest & Young, a pedido da estatal, estimou o valor total do negócio em US$ 351 milhões, mais que o triplo dos US$ 102 milhões finalmente pagos pela empresa Oil S&M, do Grupo Indalo de Cristóbal López. Os pareceres foram sumariamente ignorados. Numa comparação superficial sobre os valores praticados pela Petrobras, pode-se afirmar que por Pasadena pagou-se valor equivalente a US$ 3.800 o barril/dia, enquanto a San Lorenzo foi vendida por US$ 600 o barril/dia.
 
Para a PF, a divergência de valores já seria indício suficiente de que se tratou de um péssimo negócio para a Petrobras. A suspeita é confirmada pela própria empresa, que em relatório encaminhado à Securities and Exchange Commission (SEC), a bolsa de valores dos Estados Unidos, admite que a transação “resultou numa perda de P$ 209 milhões (petrodólares)”, ou US$ 55 milhões – considerando a cotação média da moeda americana em 2010. Em relatório financeiro posterior, o prejuízo identificado pela estatal foi ainda maior. No documento, a Petrobras diz que os US$ 36 milhões pagos apenas pela refinaria e pelos postos de combustível, excluídos os US$ 66 milhões dos estoques, foram inferiores ao “valor líquido contábil” da usina, resultando numa perda de “R$ 114 milhões”, ou US$ 68 milhões.
 
Os prejuízos registrados nos relatórios entregues às autoridades americanas não constam da versão divulgada no Brasil. Tampouco a estatal fez qualquer comunicação ao mercado, como recomendam as boas práticas de governança corporativa. Batizado de “Projeto Atreu”, o negócio foi formatado pelos executivos da PESA Roberto Gonçalves e José Carlos Vilar Amigo, ligado a Gabrielli, e passou pelo secretário-geral da Petrobras, Hélio S. Fujikawa, diretamente subordinado ao ex-presidente. Em abril de 2010, a diretoria executiva da estatal reuniu-se para dar o aval e recomendou posterior análise do conselho de administração. O então diretor da área internacional Jorge Zelada convocou o engenheiro argentino Sebastian Augustín Passadore para fazer uma apresentação, complementando as explicações. 
 
Nas justificativas para a venda, a Petrobras alegou que a refinaria de San Lorenzo estaria ultrapassada e que precisaria investir US$ 1 bilhão para torná-la viável operacionalmente. Este ano, no entanto, Cristóbal López iniciou uma reforma na unidade que consumiu US$ 250 milhões. Outro ponto alegado pela estatal foi a ineficiência e a complexidade logística para recebimento de petróleo e despacho de derivados. Ocorre que a mesma Petrobras assinou com o empresário argentino contrato de fornecimento de nafta virgem para sua indústria petroquímica, “vizinha à refinaria de San Lorenzo”. Segundo a estatal, o objetivo seria garantir a “sustentabilidade do negócio petroquímico da PESA por 15 anos”. Além disso, no mesmo ano em que negociou a venda da usina, a estatal fechou importantes contratos para a compra de óleo cru e iniciou a operação de quatro novos dutos de carga e descarga. A refinaria processava em média 49 mil barris/dia para a produção de gasolina premium, podium, comum, diesel de aviação, diesel comum, entre outros produtos.
 
Não bastassem as contradições do negócio e do rombo nas contas da estatal, a PF também questiona benefícios legais fornecidos ao sócio argentino e a complexa engenharia financeira montada para a concretização do negócio. A PF ainda apura denúncia de que o negócio envolveu pagamento de propina de até US$ 10 milhões, que seriam distribuídos entre caciques do PMDB e do PT. Chamou a atenção dos investidores a diferença de US$ 8 milhões entre o preço de venda de US$ 110 milhões anunciado pela Petrobras e o de US$ 102 milhões registrado posteriormente nos balanços da empresa. Os investigadores estão atrás agora dos detalhes do contrato de Lopez com o escritório do advogado Sérgio Tourinho Dantas, ex-deputado conterrâneo de Gabrielli. Tourinho receberia um percentual maior em honorários, caso conseguisse reduzir o preço da refinaria. Lopez, de fato, chegou a oferecer US$ 50 milhões por San Lorenzo.
 
O advogado alega, porém, que abandonou a transação antes de concluída, ao saber que deveria repassar parte do dinheiro a terceiros e por meio de offshores em nome de executivos ligados ao empresário argentino. Quem acompanhou a negociação, afirma que, com a saída de Tourinho Dantas, outro intermediário foi contratado e o negócio deslanchou. A PF suspeita que o intermediário tenha sido Fernando Baiano, operador do PMDB que tinha trânsito livre na área internacional. Hoje, Baiano está preso na carceragem da PF em Curitiba. Gabrielli teme ter o mesmo destino.
 
Fonte: Istoé

Nenhum comentário:

Postar um comentário