“Apesar de medirem apenas quatro centímetros, elas
são as gigantes do gênero”. É desta maneira que o pesquisador Mirco Solé,
da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), descreve uma das novas espécies
de pererecas descobertas recentemente no Sul da Bahia, mais precisamente na
Estação Ecológica de Wenceslau Guimarães, que podem auxiliar no combate ao
mosquito Aedes aegypti.
O Sul da Bahia possui uma das maiores riquezas de
anfíbios do mundo, entretanto, segundo Mirco, essa diversidade continua
subestimada e inúmeras espécies aguardam para serem descobertas, como foi o
caso das pererecas Phyllodytes amadoi, Phyllodytes praeceptor, Phyllodytes
megatympanum, Phyllodytes magnus e Adelophryne michelin, descritas em seu
trabalho de pesquisa intitulado “Desvendando a diversidade de anfíbios das áreas
de altitude da Mata Atlântica do Sul da Bahia com ferramentas de taxonomia
integrativa”.
Apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (Fapesb), o projeto busca
mapear as espécies de dois gêneros de anfíbios muito pequenos utilizando todas
as evidências possíveis, desde os dados genéticos até os morfológicos.
“Conseguimos descrever cinco espécies novas para a ciência. Sabemos que ainda
existem muitas outras desses dois gêneros para descrever e, antes da
finalização da pesquisa, ainda queremos descrever no mínimo mais duas
espécies”, destacou o cientista que chegou na Bahia há 14 anos, após um período
pesquisando anfíbios na Serra Gaúcha.
Equipe
de pesquisadores.
Mirco destaca que, das aproximadamente 80 espécies
de anfíbios registradas naquela época no Rio Grande do Sul, na maioria era
possível detectar o canto de anúncio e identificar o girino. “Durante as
primeiras atividades de campo no Sul da Bahia, percebi rapidamente que o
conhecimento adquirido no Sul do país ia me servir bem pouco aqui, pois não
conseguia nem associar um nome a muitas das espécies que encontrava, muito
menos os sons ou os girinos. Rapidamente ficou claro que para desvendar a
incrível diversidade de anfíbios desse território, eu teria que trabalhar com
taxonomia integrativa, coletando e analisando todos os pedaços de evidência
possíveis para depois juntá-los como se fosse um quebra-cabeça”, disse.
O trabalho, segundo o autor, vai além da descrição
das espécies e busca entender o lugar que elas ocupam no meio ambiente, ou
seja, de que se alimentam, quais substratos ocupam e como se reproduzem. “O
gênero de anfíbios que mais nos surpreendeu pela quantidade de espécies ainda
desconhecidas foi o das pererecas-de-bromélia. Estes pequenos anfíbios têm sua
história de vida intimamente ligada às bromélias, pois vivem, se alimentam e
reproduzem nelas, enquanto os girinos se desenvolvem na água que fica acumulada
nas axilas destas plantas. É nesta água também que se desenvolvem larvas de
mosquito, as quais pelo menos duas dessas espécies são comprovadamente
capazes de caçar enquanto girinos, por isso atuam como biocontroladores de
mosquitos. Em áreas onde as bromélias estão ocupadas por pererequinhas, a densidade
de larvas desses insetos é baixa. Já em áreas onde esses anfíbios foram
exterminados por meio da ação de larvicidas, após uma queda inicial no número
de mosquitos, tende a acontecer um aumento desenfreado, pois as pererecas não
estão mais exercendo seu papel”, declarou.
Esta problemática ambiental pode resultar no
aumento de doenças transmitidas por mosquitos como dengue, zika e chikungunya.
“Caso a devastação no habitat delas aumente, existe uma chance de o número de
pessoas acometidas por essas doenças aumentar”, alertou Mirco, trazendo o
conceito de que é necessário conhecer para preservar. “Uma espécie que ainda
não foi descoberta não vai se tornar potencial fonte de princípios bioativos
para desenvolver um remédio. Por exemplo, anfíbios que se alimentam quase
exclusivamente de formigas, precisam se desfazer de substâncias que as formigas
usam para se defender, como o ácido fórmico. Anfíbios podem secretar essas
substâncias pela pele se tornando impalatáveis ou até venenosos. E essas
substâncias podem conter princípios que, num futuro, podem ser empregados para
desenvolver remédios”, disse.
O projeto está na sua fase final, porém, como
depende de trabalhos de campo intensos, algumas das atividades principais estão
paradas devido à pandemia da Covid-19. “Apesar das novas espécies encontradas,
para cada resposta descoberta, aparecem dez novas perguntas, por isso ainda
temos muito trabalho pela frente. Antes de finalizar o projeto em 2021, ainda
pretendemos descrever mais duas espécies de pererequinha-de-bromélia e entender
se apenas uma ou algumas espécies deste gênero conseguem atuar como
biocontroladores de mosquitos ou se é uma características dos girinos de todas
as espécies do gênero”, completou.
A pesquisa contou com a participação dos pesquisadores
Victor Orrico, Amanda Santiago, Iuri Dias e Euvaldo Marciano Jr, todos da Uesc,
Santiago Castroviejo da Pucrs e Judit Vörös do Museu Húngaro de História
Natural. Além do apoio do CNPq e da Fapesb, o projeto contou também com o apoio
da Fundação Grupo Boticário e da empresa Plantações Michelin da Bahia.
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