Um modelo matemático desenvolvido por pesquisadores
do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia
(Coppe/UFRJ) e da Universidade de Bordeaux (França) aponta que os casos
confirmados de covid-19 no país são cerca de 35% dos indivíduos que tiveram
infecções sintomáticas pelo coronavírus. O percentual representa uma melhora em
relação a meados de abril, quando a testagem alcançava apenas 15% dos casos
sintomáticos.
O Brasil passou de 180 mil casos confirmados,
segundo balanço do Ministério da Saúde, que reúne os dados das secretarias
estaduais de saúde. Com dimensões continentais e estados em diferentes estágios
da pandemia, a situação nacional é uma média da que se desenrola regionalmente,
explica o professor titular da Coppe/UFRJ e consultor técnico da Marinha do
Brasil Renato Cotta. "O Brasil é um continente, como a Europa, e tem
situações muito distintas em cada região", afirma. São Paulo e Rio de
Janeiro já estão atravessando o pico dos casos reportados, estima Cotta, e
outros estados, como a Paraíba, ainda vão passar por ele.
Fase aguda +
testes
O professor assina o estudo com a pesquisadora
brasileira Carolina Naveira-Cotta, também da Coppe/UFRJ, e com o
epidemiologista francês Pierre Magal, especialista na simulação de pandemias.
Renato Cotta conta que a subida mais acentuada da curva de casos confirmados no
mês de maio é resultado da combinação da fase mais aguda da epidemia com o
aumento da realização de testes, que, ao elevarem o número oficial de casos
reportados, ajudam a retirar indivíduos infectados da cadeia de contágio.
"A testagem é importante porque você tira de
circulação alguém que pode infectar mais indivíduos suscetíveis. Se você testa
e isola, é um indivíduo infectado a menos na cadeia de contágio", disse
ele, que, apesar disso, reconhece: "mesmo que se teste muito, é sempre uma
fração, e não estamos testando os infectados assintomáticos da rede de contatos
dos indivíduos positivados".
Isolamento social
Além do aumento do número de testes, um relaxamento
progressivo do isolamento social aproximadamente a partir da Semana Santa, na
segunda semana de abril, foi percebido no modelo matemático, que precisou ser
reajustado no final de abril. Apesar de não ter havido medidas oficiais nesse
sentido na época, o pesquisador conta que dados como o Google Mobility Report,
que verifica o movimento de celulares nas ruas, mostram o aumento gradual da
circulação de pessoas.
"Nas últimas semanas houve uma redução não
planejada da quarentena em termos médios no país, e os dados retrataram isso. O
modelo então foi adequado e, a partir do final de abril e início de maio, já se
percebe nos resultados simulados que o modelo responde adequadamente ao aumento
da mobilidade e o aumento da testagem".
Número de casos
Os resultados recentes aproximaram a curva
brasileira de um dos cinco cenários publicados pelos pesquisadores em artigo no
site MedXriv. Uma versão atualizada da pesquisa também deve sair ainda este mês
na revista científica Biology. O cenário avaliado por Cotta como o mais próximo
da realidade considera um isolamento social não tão severo e uma testagem mais
ampla. Se mantidas as mesmas condições ao longo de toda a evolução, a projeção
aponta que o número de casos confirmados pode chegar a um valor estabilizado de
cerca de 275 mil casos no dia 150 da epidemia, na segunda quinzena de julho,
considerando 24 de fevereiro como o dia um.
Tais projeções, explica Cotta, estão sujeitas aos
impactos de novas medidas adotadas pelas três esferas de governo e ao
comportamento da população. "O que posso lhe dizer é que a dosagem da
redução de isolamento e da testagem e a data/época da sua aplicação são
cruciais para o planejamento do retorno às atividades em geral". Ele
exemplifica que o relaxamento da quarentena em 50% após 1º de junho pode gerar,
logo em seguida, um segundo pico de casos reportados ainda maior do que o
vivido neste mês de maio, trajetória que provavelmente seria interrompida por
novas restrições à circulação, que viriam em resposta a esse possível cenário,
acredita o professor da Coppe.
Já um relaxamento da quarentena em 30% com aumento
da testagem reduziria esse segundo pico a um patamar menos acentuado que o pico
de maio, situação que poderia ser atendida com a estrutura já mobilizada para
tratar pacientes da pandemia. “O importante é realizar essas análises
regionalmente, para melhor retratar o comportamento da epidemia nas regiões
específicas, e simular diferentes datas e percentuais para a redução da
quarentena, o que pode auxiliar os gestores municipais e estaduais na tomada de
decisões”.
OMS
A testagem vem sendo considerada pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) como fundamental para a retomada segura das atividades
econômicas mundo afora. Em entrevista coletiva de imprensa realizada na última
segunda-feira, o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom, descreveu que
muitos países iniciaram o relaxamento das medidas restritivas na última
semana.
A OMS considera que é preciso responder a três
perguntas antes de decidir se o isolamento social deve ser relaxado: a epidemia
está sob controle? O sistema de saúde está pronto para lidar com uma nova alta
de casos após o relaxamento? O sistema público de vigilância em saúde está
preparado para detectar e monitorar os casos e seus contatos e identificar um
ressurgimento dos casos?
"Essas três questões podem ajudar a determinar
se um lockdown pode ser vagarosamente relaxado ou não", disse Tedros
Adhanom, que afirmou que, mesmo com três respostas positivas, a tarefa de
reabrir a economia é complexa.
O professor da Coppe relembra o exemplo
sul-coreano, em que o sistema de vigilância realizou testes em massa já desde o
início da epidemia, o que permitiu que até casos assintomáticos fossem
identificados a partir da testagem de quem teve contato com casos sintomáticos.
Com isso, a Coreia do Sul, país de mais de 50 milhões de habitantes, conseguiu
frear a epidemia em 10 mil casos e cerca de 150 óbitos.
"A volta tem que ser vigiada, sempre vigiada.
Enquanto a gente não tiver a vacina, essa é a forma de lidar com a
epidemia", pontuou o professor.
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