O
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, suspendeu, sozinho,
a obrigação legal dos bancos compensarem seus clientes por perdas financeiras
decorrentes dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990. A decisão
monocrática, do dia 31 de outubro, suspende, até fevereiro de 2020, o pagamento
dos valores já arbitrados pela Justiça, em processos de ações individuais já
julgados e nos quais não caberia mais recursos. A decisão não afeta os
poupadores que aderiram ao acordo homologado no início do ano pelo Supremo.
A petição que originou o Recurso
Extraordinário julgado por Mendes foi apresentada pelo Banco do Brasil e pela
Advocacia-Geral da União (AGU). O banco e a instituição pública encarregada de
representar a União no campo judicial alegaram que o prosseguimento das ações
individuais já ajuizadas e o cumprimento das sentenças judiciais já proferidas
“têm desestimulado a adesão dos poupadores” ao acordo assinado pela AGU,
Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e entidades representativas de
consumidores, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a
Frente Brasileira Pelos Poupadores (Febrapo).
Assinado no fim de 2017 para tentar pôr fim a
uma disputa judicial que se arrasta há décadas nos tribunais de Justiça, o acordo foi homologado pelo STF em março
deste ano. Ele vale para quem já tinha ingressado com ação judicial individual
ou coletiva a fim de reaver as perdas financeiras decorrentes da entrada em
vigor dos planos econômicos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor 2 (1991), ou
para seus dependentes, e que optasse por aderir ao acordo homologado pelo STF.
Desde o início, divulgou-se que a adesão ao
acordo seria voluntária. E ainda que o acerto previsse descontos de 8% a 19%
sobre os valores a que muitos poupadores têm direito e o pagamento de quantias
acima de R$ 5 mil seja feito em parcelas semestrais para quem tem direito a
mais de R$ 5 mil (podendo levar até dois anos), muitos poupadores aderiram ao
acordo, temendo que, se continuassem com ações individuais, demorariam ainda
mais para ver seus direitos reconhecidos.
Em sua petição, o Banco do Brasil expôs o
argumento de que, mesmo com a homologação do acordo coletivo, continuou tendo
que suportar o prosseguimento de milhares de cobranças dos expurgos inflacionários.
Ao pedir, junto com a AGU, a suspensão de todas as liquidações e execuções de
sentenças judiciais pelo prazo de 24 meses, o Banco do Brasil argumentou que as
sentenças questionadas desestimulam a adesão dos poupadores, refletindo, nas
palavras do ministro Gilmar Mendes, “o insignificante número de adesões pelos
clientes do Banco do Brasil, o que prejudica o objetivo maior do acordo, que é
garantir o direito dos particulares e facilitar opagamento da dívida pelas
instituições”.
Procurado pela Agência Brasil, o
Banco do Brasil informou que a suspensão dos processos está prevista na
cláusula oitava do acordo que a Febraban assinou com as entidades que
representam os consumidores. “Essa matéria também foi objeto de requerimento na
petição que submeteu o acordo para homologação do STF, quando foi assinada por
todos os intervenientes do acordo e já contemplava a possibilidade de suspensão
de todos os processos”, acrescenta o banco, em nota.
Justificativas
Já o ministro Gilmar Mendes, na decisão
monocrática, sustenta que, ao homologar uma das ações extraordinárias sobre o
tema que o STF analisou no início do ano, já tinha determinado a suspensão das
ações individuais por 24 meses a fim de “possibilitar que os interessados,
querendo, manifestem adesão à proposta nas respectivas ações, perante os juízos
de origem competentes, com o intuito de uniformizar os provimentos judiciais
sobre a matéria e privilegiar a autocomposição dos conflitos sociais”. Segundo
Mendes, mesmo com sua determinação, os tribunais de Justiça “têm dado
prosseguimento às liquidações e execuções das decisões sobre a matéria, o que
tem prejudicado a adesão ou ao menos o livre convencimento dos particulares
sobre o acordo em questão”.
“Nesses termos, entendo necessária a
suspensão de todos os processos individuais ou coletivos, seja na fase de
conhecimento ou execução, que versem sobre a questão, pelo prazo de 24 meses a
contar de 5/2/2018, data em que homologado o acordo e iniciado o prazo para a
adesão dos interessados”, determina o ministro.
Representante legal de vários poupadores e
assessor de outros escritórios de advocacia que ajuizaram ações individuais e
coletivas, o advogado Alexandre Berthe disse à Agência Brasil que
a decisão do ministro contraria o próprio acordo e aumenta a insegurança jurídica,
conforme indica o número de pedidos de esclarecimentos ajuizados ao processo
após a determinação vir a público.
“Imagine um advogado tentando explicar para
um poupador idoso que não entenda nada de Direito e a quem o advogado já tinha
informado sobre o ganho de causa que o ministro Gilmar Mendes, agora, mandou
suspender o pagamento da ação. Este cliente estava esperando receber este
dinheiro daqui para o Natal e, agora, o advogado tem que explicar que ele pode
ter que esperar por mais dois anos”, argumentou Berthe, lembrando que,
legalmente, nada pode suspender um processo transitado em julgado.
“Fica parecendo, ou subentendido, que um
ministro pode suspender a execução de decisões judiciais transitadas em julgado
daquelas pessoas que optarem por não aderir a um acordo que, a nosso ver, é
péssimo para muita gente”, acrescentou Berthe, avaliando que, em sua decisão, o
ministro foi muito além do pedido apresentado pelo Banco do Brasil e pela AGU,
que solicitavam a suspensão apenas das execuções individuais de sentenças cujos
poupadores tenham sido beneficiados por uma decisão dada em ação ajuizada pelo
Idec contra o extinto Banco Nossa Caixa, que foi incorporado pelo Banco do
Brasil. Em sua decisão, o próprio ministro aponta que Banco do Brasil e AGU requisitaram
a suspensão das liquidações e execuções dos expurgos inflacionários decorrentes
apenas do Plano Collor II (1991).
“A decisão do ministro, no entanto, afetou a
todos os outros processos individuais, incluindo os que envolvem outros bancos
– que podem optar por executar as sentenças já proferidas para encerrar logo o
processo. A meu ver, o ministro Gilmar Mendes extrapolou o pedido original,
contrariando o próprio acordo homologado pelo STF. Esperamos que ele ratifique
sua decisão, esclarecendo-a melhor”, concluiu o advogado.
Por e-mail, a AGU afirmou que a suspensão de
tramitação dos processos já tinha sido solicitada na época em que se pleiteava
a homologação do acordo, de modo a incentivar a adesão. Segundo a AGU, isso já
havia sido plenamente atendido e, portanto, a nova decisão do ministro Gilmar
Mendes "apenas reforça o que já havia sido determinado pelo Supremo",
conferindo segurança jurídica ao acordo.
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