Um
grupo de biólogos, ambientalistas e procuradores do Ministério Público Federal
(MPF) vem manifestando preocupação com o Projeto de Lei (PL) 3.751/2015, em
tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta pretende estabelecer o limite de
cinco anos para que as unidades de conservação ambiental no país concluam todo
o processo de desapropriação e indenização de propriedades. Do contrário,
perderia efeito o decreto de criação da unidade.
Boa parte das
preocupações com o PL 3.751/2015 foi reunida em um artigo publicado há
pouco mais de um mês na conceituada revista Science, editada pela Associação
Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). Assinado por cinco pesquisadores da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o artigo aponta que quase 100
unidades têm hoje problemas de regularização fundiária. Segundo o
estudo, se o projeto de lei for aprovado e tiver efeito retroativo, 17 milhões
de hectares em áreas protegidas seriam impactados, quatro vezes a área do
estado do Rio de Janeiro.
Considerando
só os parques nacionais, 17 deles poderiam ter os decretos de criação
anulados, como por exemplo o Parque Nacional das Sempre-Vivas, no norte de
Minas Gerais, e o Parque Nacional do Pico da Neblina, no Amazonas. "Muitas
unidades de conservação já têm a maior parte de sua área regularizada, restando
poucas pendências. Mas se o decreto de criação perde efeito, a unidade deixa de
existir integralmente e todo o esforço já realizado é perdido. É um
retrocesso", diz no texto o pesquisador Lucas Perillo, um dos autores do
artigo científico.
A redação do
PL 3.751/2015 sugere acrescentar dois dispositivos novos à Lei Federal
9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc).
Um desses dispositivos seria o artigo 22-B, cujo parágrafo único define que o
processo de indenização "deverá ser concluído no prazo de cinco anos da
data de criação da unidade de conservação, sob pena de caducidade do ato
normativo que criou a unidade".
Desde a criação do Snuc há 18 anos, a quantidade de áreas
protegidas no país triplicou. Atualmente, existem 2.201
unidades de conservação federais, estaduais e municipais, que totalizam 250
milhões de hectares. Uma unidade de conservação pode ser criada por meio de
decreto assinado pelo prefeito, governador ou presidente da República.
Geralmente, isso ocorre após os órgãos ambientais de cada nível do Poder
Executivo avaliarem a demanda e apresentarem um projeto.
Segundo Lucas
Perillo, há várias categorias de unidades de conservação no Brasil. Nas áreas
de proteção integral, as pessoas com terras dentro dos limites estabelecidos
participam de um processo em que são definidos critérios e prazos para a
desapropriação, uma vez que o território passa a ser considerado de utilidade
pública. Mas a saída do local não ocorre de imediato.
"Há
unidades onde há pessoas morando dentro da área de proteção, justamente porque
ainda não se chegou a um consenso. Nesse caso, cabe à gestão da unidade pensar
em alternativas. No Parque Nacional da Chapada Diamantina, por exemplo,
existiam plantações, criação de gado e um desmate acelerado. Mas foi
desenvolvido um projeto voltado para o turismo, de forma que os proprietários
passaram a ter atividades econômicas mais sustentáveis", conta
Lucas Perillo. A gestão dos parques nacionais, como o da Chapada
Diamantina, é de responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Procurada pela reportagem, a pasta informou que não vai se posicionar sobre
projetos em tramitação no Congresso.
Lucas Perillo
avalia que a aprovação do PL 3.751/2015 comprometeria a expansão das áreas de
proteção, pois cinco anos é um tempo reduzido para a resolução de conflitos
fundiários. Ele lembra que há casos complexos que envolvem, além de grupos que
não querem sair de suas terras, invasores que entraram na unidade de
conservação após a criação. "Esse processo é demorado porque exige uma
série de estudos e a liberação de recursos, dos estados ou da União. E a
lentidão do Poder Público não pode ser justificativa para impedir a proteção de
algumas áreas que são prioritárias para a conservação", diz no texto.
A Agência Brasil não conseguiu
contato com o deputado Toninho Pereira (PP-MG), autor do PL 3.751/2015. Na
justificativa do projeto, ele argumenta que a criação de unidade de conservação
sem a imediata indenização de proprietários é ilegal, injusta e gera grave
problema social. "Milhares de proprietários rurais são impedidos de
continuar desenvolvendo as atividades econômicas a que têm direito e das quais
dependem para sua sobrevivência. O Brasil convive com essa situação há décadas,
sem que nada tenha sido feito efetivamente para resolver o problema. Ao
contrário, o problema vem se agravando nos últimos anos, em função do crescimento
do número e da extensão das unidades de conservação criadas pelos governos
federal e estaduais", escreve Toninho Pereira.
MP pede rejeição do PL
Recebido no
final de 2015, o projeto de lei foi encaminhado à Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável. Em outubro de 2016, foi aprovado o parecer do
deputado Roberto Balestra (PP-GO) que apresentou uma nova redação, com prazo
ainda mais enxuto. Segundo o texto, a União teria dois anos para propor a ação
de desapropriação. Na justificativa do parecer, Balestra afirmou que o novo
período sugerido é suficiente. "Note-se que é o mesmo prazo adotado nos
processos de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de
reforma agrária", acrescenta no projeto.
Atualmente, o
PL tramita na Comissão de Finanças e Tributação e aguarda parecer do deputado
Alessandro Molon (PSB-RJ). Em seguida, deverá ser apreciado também pela
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de chegar ao plenário
da Câmara.
Em outubro do
ano passado, o MPF apresentou uma nota técnica defendendo a rejeição integral
do PL e classificando a proposta como inconstitucional, grave e irresponsável.
Em 11 páginas, o órgão sustenta que a extinção de uma unidade de conservação só
pode ocorrer por expressa determinação de uma nova lei.
"A
Constituição Federal prevê que a criação de unidades de conservação constitui
medida essencial e imprescindível para assegurar a efetividade dos direitos
fundamentais da coletividade brasileira ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
e à sadia qualidade de vida. Apenas lei poderá promover alterações nessas áreas
protegidas, ficando clara, portanto, a intenção constitucional de dificultar a
possibilidade de redução da área de uma unidade de conservação, da sua extinção
ou da redução do seu nível de proteção", registra o documento.
Ainda
segundo a posição do MPF, as unidades de conservação são fundamentais para
o combate ao desmatamento e, consequentemente, para a redução das emissões de
gases geradores do aquecimento global. "Basta constatar que, enquanto mais
de 21% da cobertura original de floresta na Amazônia já foi desmatada, a
extensão florestal desmatada dentro de Unidades de Conservação é de apenas
0,05%." A nota técnica acrescenta que os proprietários insatisfeitos com a
omissão estatal na regularização fundiária podem recorrer ao Judiciário para
obrigar o pagamento das indenizações.
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